O NATAL DO VERÃO
Durante todos os anos que passei o Verão no Roncanito, perto de Odemira, sobre o rio, num monte "atrás do sol posto", foram inúmeros os repastos que fiz , para os quais convidava todas as pessoas amigas de que me lembrava e os hóspedes que acolhia. Casa de família e de amizades, a indolência alentejana e a liberdade de ter tempo permitia convívios alegres e sinceros, nos quais o jantar era o ponto de reunião após as derivas que cada um e cada uma faziam no decorrer do dia.
Uma das cenas prandiais que mais retenho na memória é o Natal no Verão, feliz expressão do Kai J. Conheci-o e á sua família, por mero acaso, na praia do Brejo Largo, à qual só se tem acesso por jipe e por caminho não assinalado ( em pleno Verão, na costa alentejana, ter uma praia de quase dois mil metros de extensão só com 20/30 pessoas é um paraíso, quase privado; e não, não vos digo onde é ). Com barco, em pesca submarina ou em pesca de anzol, o Kai apanhava ( apanha ) tudo o que de melhor o mar pode dar. E trazia tambem grandes polvos. Mais fresco é ímpossível, melhor sabor não há, naquelas frias águas do Atlântico. Uma vez em conversa perguntou-me ( ou eu disse-lhe, já não me lembro ) se conseguia transformar os octopodes numa refeição que prestasse homenagem à sua fresquidão. Era um desafio que não podia recusar.
E assim começou a tradição de todos os Verôes fazer o jantar de polvo. Com o Kai e a sua família, a Quica, a Nô e quem estivesse convidado para férias no monte, eram "momentos que ficam para a vida". Boa gente, boa comida e ..... boa música ( um dos jantares ficou memorável quando, no fim, estando nós, sentados no alpendre a bebericar uma fabulosa aguardente de medronho que eu tinha "arranjado" de um pastor que vivia num monte lá para os lados de Sabóia, com a lua cheia a reflectir-se no rio à nossa frente, a Maria Callas começou a cantar umas árias divinas. Ficámos suspensos, em silêncio, com os olhos marejados de felicidade ).
É de polvo e de nostalgia que hoje falo. De como o cozinhava e era feliz nesses Natais do Verão.
POLVO À FEIRA
POLVO NO FORNO
ARROZ DE POLVO
( sei que nós, os meridionais, não temos a fama de ter tão bom polvo como os nossos conterrâneos setentrionais; pois bem, pode ser que sim ,excepto no litoral alentejano, o qual é tão bom como o galego )
polvos ( muito grandes )
batata de areia
azeite
arroz duplo carolino ( ou carnaroli )
cebola, alho, louro, salsa, colorau, piri-piri sêco
Cozer o polvo em água fria temperada com cebola, salsa, alho, louro e 2/3 bagas de piri-piri sêco. Quando estiver no ponto, retirar e reservar a água no qual cozeu.
Cozer as batatas com a pele e despelar.
Numa frigideira, em basto azeite, branquear cebola ás rodelas e alhos esmagados.
Cortar o polvo : a cabeça picar grosso, os tentáculos inteiros, cortar parte superior de cada um.
Numa assadeira colocar os tentáculos do polvo, as batatas, colocar por cima a cebola com o azeite, temperar com colorau e salsa picada. Levar ao fôrno durante 20 minutos.
Cortar a parte de cima dos tentáculos em fatias finas. Colocar num prato, temperar com azeite, pimenta e colorau. Servir como entrada.
Num tacho alourar cebola picada em azeite, juntar o arroz, a cabeça do polvo cortada, fritar, juntar duas vezes e meia da água onde cozeu o polvo. Deixar cozer 16 minutos, até ficar caldoso, desligar. ( existe outra forma de fazer o arroz de polvo, que por vezes até prefiro : depois de cozer o polvo, cortá-lo em pedaços pequenos. Cozer arroz vaporisado só com dobro de volume da água do polvo, até ficar solto e sêco. Numa frigideira grande, saltear alhos picados em azeite. Juntar oa pedaços de polvo e saltear. Finalmente juntar o arroz e saltear tambem. Excepcional, é o que vos digo ).
Servir o polvo na assadeira com o arroz à parte. Não sem antes terem petiscado a versão alentejana do polvo à feira com um bom vinho tinto ( se fosse este ano recomendava o Grous: tem estado bom todo o ano )
NB : com esta receita inicio uma sequência que apresentarei durante este Verão, da cozinha do sul e do sudoeste alentejano ( que com um grande prazer revisito frequentemente ).