Da Adefaina ao Cozido
Tal como os grelhados, os cozidos não são considerados nos cânones da gastronomia, já que não exigem confecção que recrie conjungação de sabores a partir do sabor original dos produtos alimentares. Contudo, o cozido original remonta à Idade Média na Península Ibérica, tem muita história e é a matriz dos cozidos que hoje comemos em Portugal e Espanha.
O primeiro elemento deste prato ancestral é . . . o grão.
Introduzido na Hispânia na época de Cartago ( há referencias no Egipto e na Grecia, era desprezado por Roma ), era o produto essencial dos cozidos sefarditas da época medieval, os quais consideram-se como uma evolução da "adafaina " judia, na qual não usavam carne de porco, basicamente cordeiro e aves, sangrados segundo a tradição kosher. Nesta adafaina juntava-se ovos cozidos partidos em quatro junto com o grão e as verduras. ( esta adafaina faz-me lembrar uma incursão que efectuei há uns anos o sul do estuário do Tejo, onde, em Sarilhos Pequenos, num restaurante de madeira num local paradisíaco na orla do rio, comi um cozido, sem porco nem chouriços, em assadeira que passou pelo forno, com os ditos ovos cozidos presentes. Então não percebi o que estava a comer, apesar de ter apreciado muito, sobretudo o sabor do caldo que englobava aquele estranho cozido ).
Para cumprirem o sabbath, no qual não podiam cozinhar entre o nascer e o pôr-do-sol, mas podiam pôr achas no lume, deixavam durante todo o dia a cozer lentamente no seu caldo as carnes e os legumes. Mal o sol desaparecia no horizonte, o jantar estava pronto.
A adafaina é mãe da "olla podrida", antigo nome castelhano do cocido madrileño , e do qual mantém alguns procedimentos, um dos quais a cocção lenta. O nome da olla podrida vem da olla, recipiente tradicionalmente de barro onde se procedia à cocção lenta das carnes e das verduras em fogo de lenha, podrida porque era servido com as carnes quase a desfazerem-se.
Inicialmente era composto por carne de borrego, vaca e aves, e pelo grão, verduras e batatas. Servidas em separado, com o caldo do cozido a anteceder a refeição.
Com a reconquista e, sobretudo, para não haver problemas com a Inquisição, juntou-se posteriormente a carne de porco e os seus mais famosos derivados , os chouriços.
Hoje o cocido madrileno é servida na sua forma tradicional de três serviços separados, denominados vuelcos: o primeiro contém o caldo resultante da cocção de todos os ingredientes, o segundo corresponde ao grão junto com as verduras e as batatas e o terceiro ao das carnes, comendo-se por esta ordem.
Em Portugal subsiste um parente deste cozido, o cozido à alentejana, mais conhecido por jantarinho de grão. Faço-o repetidamente há muitos anos, É essa receita que vos apresento de seguida.
JANTARINHO DE GRÃO
Ingredientes:
grão
cenoura
ervilha de partir ou, não havendo, feijão verde
abóbora
carnes variadas à vossa escolha ( aba com osso e chambão de vaca, entrecosto de porco, rabo de boi, borrego cortado como se fosse para ensopado, etc )
chouriço de carne
farinheira
azeite, cebola, alho. louro, salsa, sal, piripiri sêco, hortelã.
Preparação :
Algumas horas antes do repasto, no maior tacho que tiver em casa, ponha a cozer em água temperada com azeite,cebola, alho, salsa, louro e piripiri sêco, o grão com as carnes de vaca, o rabo de boi e o chouriço. Logo que levante fervura, reduza para o mínimo e deixe cozer lentamente.
Prepare os legumes , depelando-os e cortando-os em troços médios. Meia hora antes da refeição, junte as outras carnes ( porco, borrego ). Vinte minutos antes de servir, junte os legumes cortados e coloque por cima as farinheiras preciamente picadas, para que não se esboroem.
Logo que esteja tudo cozido, retire os chouriços e as farinheiras e corte-os em pequenos troços.
Sirva à alentejana. Com fatias de pão casqueiro ( de trigo com fermento inteiro ) e, em terrina à parte, o caldo ao qual adicionou hortelã.