Receituário de Helena Sacadura Cabral
Um livro que recomendo.
Sobretudo para quem gosta da gastronomia tradicional que se preserva durante gerações numa família.
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As minhas receitas, as receitas de outros e umas deambulações pela gastronomia. Sabores com memória, sabores para partilhar.
As minhas receitas, as receitas de outros e umas deambulações pela gastronomia. Sabores com memória, sabores para partilhar.
Um livro que recomendo.
Sobretudo para quem gosta da gastronomia tradicional que se preserva durante gerações numa família.
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Já há bastantes anos, nas visitas profissionais que incluiam Paris, não perdia a ocasião de ir a uma brasserie. Deixava guiar-me pelos contactos locais, e fui conhecendo algumas. A primeira que conheci foi a Café de la Paix , na Place Ópera, porque costumava ficar num pequeno hotel, o Hotel Scribe, na Rue Scribe, que ficava atrás do Grand Hotel, no qual o De La Paix está incrustado. Com o tempo fui conhecendo outros - entre os quais recordo o La Coupole, o Chez Jenny para "avaler" a fabulosa choucroute, o Flo, que ainda não era o grupo internacional que é hoje, o antiquíssimo Lipp em St. Germain ( onde fazem quastão de não servir coca-cola ) e sobretudo o Julien, de que fiquei fiel e que repetia sempre que podia.
Mas, uma certa vez, por convite da Paule C, directora da empresa com quem tinha reunido, fui parar ao Pied de Couchon. A Paule, "normande, gourmande e gourmandise" como ela se auto definia, tinha catripiscado em mim esta tendência de , em matérias de gastronomia, preferir ir à procura de sinceridades do que registar presença em restaurantes mediáticos ( ainda reinava o Tour D'Argent, o ec plus ultra de várias gerações que guardavam o papelinho com o registo numerado do pato prensado que ali tinham encomendado e comido ).
Não queria o "Paris Cannaille" com pose de fanfarrão e olhos de "carneiro mal morto", mas queria queria o Paris dos parisiences. Levou-me ao Pied de Couchon, o qual, apesar do nome, também servia ( serve ) muitos pratos de "fruits de mer" , tão ao gosto das preferências norte atlânticas da minha anfitriã.
Foi aí que me sabore-ei os "pieds de porc farcis" no forno ( também havia no Lipp, mas então preferi atirar-me ao haddock e ao mille feuilles ). Desossados, recheados, panados : não resisti, depois das entradas marítimas.
Posteriormente vim a ter conhecimento que também temos a nossa versão, também antiga, que se confecciona no Alentejo. É esta receita que vos apresento.
PÉS DE PORCO PANADOS NO FORNO
Ingredientes:
pés de porco inteiros
vinho branco
pão ralado
cebola, cenoura, bouquet de ervas, louro, cravos da Índia
sal, pimenta preta, ovos
Confecção:
Leve os chispes a cozer num "court-bouillon", metade água metade vinho branco, ao qual adicionou os vegetais e dois ou três cravos da Índia.
Deixar cozer. Retirar, deixar esfriar, retirar os ossos maiores, envolver em ovo batido e pão ralado, e levar ao forno a tostar.
Servir acompanhado por uma boa salada de alface.
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c
KIEV, CORDON BLEU, WIENER SCHNITZEL
Pois, eu sei. São só fritos. Politicamente incorrectos. Mas . . . . . deliciosos. Que apetecem de vez em quando. Hoje as minhas propostas não resultam de uma estória, fazem parte da nossa própria historia, que nos acompanha pela vida fora.
O que vos trago hoje são três receitas cuja técnica culinária é básica, três versões de panados que são, também, três ligações fabulosas com os seus acompanhamentos.
FRANGO KIEV com GRATIN LANDAIS
Ingredientes :
salsa
cebolinho ( cibolette )
manteiga
estragão
sal, pimenta preta
peito de frango
farinha de trigo
ovos
pão ralado
batatas
béchamel
Confecção :
Bata a manteiga com a salsa e o cebolinho picados, o estragão, sal e pimenta. Depois de estar bem emulsionado, leve esta pasta ao congelador a . . . . congelar.
Abra os peitos de frango sem separar. Recheie o interior com a pasta de manteiga congelada.
Feche, passe por farinha, seguidamente por ovo mexido, por fim pelo pão ralado e leve a fritar em óleo de milho, bem quente.
Coza as batatas, despele-as, corte-as em fatias, disponha-as numa assadeira, junte e misture bem o molho béchamel, ponha pão ralado ( ou queijo ralado, se preferir ) por cima e leve a gratinar no forno.
ESCALOPES CORDON BLEU com ESPARGUETE e BACON
Ingredientes:
bifanas de porco finas ou bifes de perú
fiambre
queijo flamengo
ovos
farinha de trigo
pão ralado
esparguete
bacon
Confecção:
Peça no talho para lhe cortarem os escalopes de porco , ou os bifes de peru, finos e com o mesmo tamanho.
Com os escalopes bem sêcos, coloque entre cada dois uma fatia de fiambre e uma fatia de queijo flamengo.
Aperte bem, passe-os por farinha, por ovo mexido e por pão ralado. Frite em óleo de milho.
Coza o esparguete em água com sal e uma colher de óleo de milho, até ficar al dente.
Corte o bacon em fatias finas e leve a fritar em óleo de milho até endurecerem, sem queimar.
Sirva os cordon bleu com o esparguete, no qual colocou por cima o bacon frito.
WIENER SCHITZEL com SALADA DE BATATA ALEMÃ
A verdadeira receita de Wiener Schitzel é feita com escalopes de vitela, sempre acompanhada pela "sua" salada de batata.
Ingredientes :
escalopes de vitela
ovos
farinha de trigo
pão ralado
sal e pimenta
batatas
cornichons
cebola rôxa
vinagre
mayonnaise ou oleo de milho
Confecção:
Passar os escalopes pela farinha, ovos mexidos e pão ralado.
Fritar rápidamnete em óleo de milho bem quente.
Cozer as batatas com a pele, despelar, cortar em dados pequenos, temperar com sal e pimenta.
Para temperar as batatas tem duas versões : a minha, na qual junta os cornichons picados em pouca mayonnaise; ou a tradicional, na qual junta a cebola vermelha picada com o vinagre e o óleo de milho, faz uma especie de vanaigrette e tempera as batatas.
NB : quando se servem fritos, aconselho que o prato de entrada inclua sempre uma boa salada. A digestão agradece.
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A CASTANHA
Hoje, dia de S. Martinho, mal seria se não colocasse as castanhas no centro da atenção.
O seu consumo humano é mais antigo do que o registo histórico. A denominação que utilizamos deriva da palavra grega kastanon, que deu origem à palavra latina castanea, mas decerto que o homem pré-histórico, omnívaro, que já a consumia, deveria ficar bem contente quando a encontrava, devido ao seu importante conteúdo calórico ( embora a castanha seja uma semente , como a noz, tem muito menos gordura e muito mais amido - hidrato de carbono. Por comparação tem quase o dobro da percentagem de amido da batata, pelo que, devido à sua consistência e à riqueza das fibras, uma pequena porção de castanhas basta para satisfazer o apetite ).
Mais tarde, os Gregos e os Romanos, que também as consumiam profusamente, colocavam as castanhas em ânforas cheias de mel silvestre. Este, conservava-as e impregnava-as com o seu sabor ( será por isso que ainda hoje gostamos tanto de mel com castanhas ? ). Ainda mais tarde, na Idade Média, nos mosteiros e abadias, monges e freiras utilizavam frequentemente as castanhas nas suas confecções culinárias, das quais herdámos várias receitas, principalmente na confeitaria conventual. Antes da batata, era um dos principais farináceos que se consumia no que hoje chamamos Europa.
Apresento hoje algumas receitas, que já foram mais corriqueiras, desde uma sôpa até à uma sobremesa, o que demonstra a influência incontornável que teve nos vários procedimentos culinários na nossa gastronomia. Aliás, refiro com frequência, a castanha é um dos alimentos que faz parte do mapa genético dos nossos sabores.
SÔPA DE CASTANHAS
Ingredientes:
batata
castanhas
cabeça de nabo
cebola
toucinho alto
azeite
sal
salsa
Confecção :
Coza as castanhas, uma batata ou duas, a cebola e o nabo, em água temperada com azeite e sal. Depois de estar tudo bem cozido, passe tudo na varinhá mágica. O creme não deverá ficar muito espesso.
Corte em fatias finas o toucinho, pique-o grosseiramente, e leve-o a confitar na sua própria gordura, até ficar estaladiço.
Frite ramos de salsa em azeite.
Sirva a sôpa, colocando no cimo os pedacinhos crocantes do toucinho e da salsa frita.
LOMBÉLOS DE PORCO COM CASTANHAS E MÍSCAROS
Ingredientes :
lombélos ( ou lombinhos ) de porco
castanhas
míscaros ( também chamados pleurotos )
banha de porco preto
azeite
bacon
cebola
Confecção :
Numa frigideira funda, leve a fritar em azeite o bacon cortado em pequenos dados e cebola fatiada. Limpe os míscaros, filamente-os com a mão ( nunca com faca ) e junte-os ao preparado. Deixe refogar lentamente, deixando os míscaros misturar os seus sucos.
Retire a pele às castanhas ( 4 a 5 minutos em água a ferver, despelar ) ou compre-as já despeladas. Frite-as durante 3 minutos.
Numa caçarola, frite os lombinhos em banha de pôrco preto. Elimine o excesso de gordura, junte os míscaros e as castanhas, e deixe fervilhar lentamente durante 10 minutos.
COMPOTA DE CASTANHAS
Sei que ficaria a matar colocar agora a receita das " marron glacé", que os franceses trouxeram quando nos invadiram ( já agora, sabem que a invasões peninsulares foram o princípio do fim de Napoleão, já exaurido pelo Inverno russo ? ). Mas no mercado podem adquirir excelentes frascos dos mesmos, feitos por confeitarias alentejanas. Prefiro uma receita mais comesinha, simples mas que nos prende pelo seu sabor.
Ingredientes
castanha
açúcar ( 3/5 do peso da castanha )
sal
vinho do Porto
Preparação:
Tira-se a casca e a pele das castanhas ( tal como descrevo acima, ou compre castanhas já descascadas) e levam-se estas a cozer em água temperada com uma pitada de sal até se desfazerem facilmente.
Depois de cozidas, passa-se estas pela peneira ou “passe-vite”.
Reduz-se o açúcar ( até ao ponto de pasta ) , tira-se do lume e junta-se pouco a pouco ao puré de castanhas.
Adiciona-se o vinho do Porto, e leva-se de novo ao lume deixando levantar fervura e mexendo sempre com uma colher de pau.
Guardar em frascos esterilizados.
E pronto. Façam uma saúde ao São Martinho, com umas castanhas e com vinho . . . do Porto, umas das ligações mágicas que existem nos nossos sabores.
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O PÓS-COZIDO
Dos cozidos quase sempre sobram ingredientes. Que só estão cozidos, pelo que aceitam novas confecções, transformando-os em novas iguarias. Os mais famosos são as roupas-velhas das quais talvez existam milhares de versões, tantas quantas as famílias que as fazem.
O que vos vou apresentar é a minha, na versão sem ovos, e, já que estou com a mão nos restos do cozido, também outra receita, esta de forno em formato de empadão. Tanto uma como a outra têm uma característica: têm um sabor viciante. Muitas vezes ainda estou no cozido e já estou "a pensar" no pós-cozido.
ROUPA-VELHA
Ingredientes:
batata cozida
carnes de vaca que sobraram do cozido
cenoura cozida
chouriço de carne cozido ( os outros tipos de chouriço não servem )
alho
óleo de milho ( infelizmente aqui não se pode usar azeite )
vinagre
Confecção:
Em frigideira grande, aloure os alhos cortados no óleo de milho, sem deixar queimar. Junte o chouriço de carne cortado em pequenos pedaços, deixe-o fritar um pouco, após o que junta as carnes ( cortadas em troços ), as batata e as cenouras cortadas cortadas às fatias.
Emulsione bem para que o môlho que se gera envolva bem todo o conteúdo. Antes de servir adicione o vinagre, na proporção que considere adequada ao seu gosto.
EMPADÃO DE COZIDO
Ingredientes :
batata cozida
chouriços que sobraram do cozido
carnes que sobraram do cozido, sem peles nem gorduras
cebola
óleo de milho
ovos
Confecção :
Esmage as batatas com garfo. Pique finamente todos os chouriços. Junte-os ao esmagado da batata, emulsionando-os bem.
Em frigideira, aloure a cebola picada, após o que lhes juntará as carnes desfiadas. Deixe fritar bem.
Numa travessa de ir ao forno, coloque uma base da batata misturada com os chouriços, a meio espalhe as carnes desfiadas fritas com a cebola, após o que cobrirá com o resto do esmagado de batata. Pincele com gema de ovo e leve ao forno, sómente até aquecer a alourar por cima ( lembre-se que so produtos já estão todos cozinhados anteriormente ).
NB : seguindo com precisão os mesmos procedimentos, tambem fica bem com arroz que tenha sobrado do cozido.
foto de Luísa Alexandre Marques
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Não tenho a pretensão de receitoar-vos com este meu procedimento culinário. Seria o mesmo que estar a ensinar o padre nosso ao vigário.
Mas, cada família tem a sua receita. A minha vem da minha avó, senhora nascida no século XIX. É, como todos os cozidos, muito simples de cozinhar, estando a sua principa distinção na escolha dos produtos e nos procedimentos a adoptar antes e durante a cozedura.
Efectivamente, este cozido começa dias antes de ser consumido. Mais apropriadamente, pelo menos dois dias antes. Com um procedimento que fará toda a diferença no sabor das carnes : salpresar à antiga. È muito simples : depois de ter escolhido as carnes, envolva-as em sal grosso e deixe-as a estagiar no frigorífico. No dia seguinte, escoe a aguadilha que se formou e adicione mais sal grosso, se necessário. Até ao dia anterior a serem cozidas. Que podem ir até aos quatro dias.
Ingredientes:
chambão, cortado transversalmente com o osso ( osso buco )
aba com osso
joelho de porco ( eisbein ) ou entrecosto de porco alto ou costeleta de porco fumada
orelha de porco
galinha, da quinta ou das Caldas da Raínha
batata Laura ( enfatizo a qualidade e estirpe da batata como factor fundamental neste prato, como em quase todos os outros. As batatas têm diferentes sabores e diferentes texturas, maior ou menor matéria sêca, e podem ser, se mal escolhidas, a destruição da harmonia de sabores de uma refeição. Imaginam um bom bacalhau com uma má batata ?. O mesmo se passa com o cozido. As melhores batatas para cozer são a Laura, a Anabel e a Mona Lisa, sendo estas duas últimas também boas para assar. Para fritar as recomendadas são a Agria e a Asterix, tal como recentemente fui elucidado por Paulo Salazar Leite no Montijo, onde dirige a Cooperativa PrimoHorta ).
couve portuguesa
couve lombarda
cenoura, nabo
cebola, alho, louro, salsa, piripiri sèco
hortelã
arroz carolino
toucinho alto de pôrco preto
chouriço de carne da Redinha ( lá chamam choiriças )
farinheira do Sicó
morcela de arroz dos Marinhais ( a de Caldas da Raínha tambèm é muito boa )
chouriço de sangue com vinagre
chouriço de vinho de Carregal do Sal, e/ou chouriço mouro do Alentejo ( moiras ), e/ou negritos, e/ou chouriço de cebola.
Em panela grande, cozer lentamente as carnes de vaca e a galinha em água temperada com alho, cebola, salsa e louro, à qual se junta sal grosso e pirpiri sêco. Meia hora antes de estar finalizada a cozedura, juntar as cenouras e os nabos ( antes a minha avó, a agora a minha mãe, ainda diz que bom cozido tem de levar sete ervas ou vegetais no caldo das carnes, e eu não estou aqui para as desdizer, mas só ponho seis, não juntando o aipo que então usavam porque o nabo cumpre bem a função de cortar o eventual sabor excessivo de gordura.).
Em panela separada cozer as carnes de porco, joelho e orelha, em água a que adicionou sal grosso, louro e uma cebola cravejada de . . . cravinhos.
As batatas, de estirpe apropriada para o cozido, são cozidas à parte, sempre com a pele, para manterem o gosto e o amido que faz distinguir o seu sabor. Enquanto depela as batatas, coza em água só com sal grosso e piripiri sêco as couves e o toucinho ( muito importante, o toucinho é com as couves, não se esqueça ), às quais juntará as batatas já sem pele, depois de ter desligado o lume.
Os chouriços são também cozidos à parte, deixando para o fim as farinheiras e os chouriços de sangue com vinagre, com os devidos cuidados para não deixar que se desfaçam. Nesta água de cozer os chouriços, será cozido o arroz, ao qual se juntará, desfeitos, um chouriço de sangue com vinagre e meia farinheira.
Com este procedimento, as carnes sabem a carnes, os legumes mantêm o seu sabôr enriquecidos com a untuosidade do toucinho, e os chouriços, assim como o arroz, cumprem a sua função, não ficando todo o cozido a saber a chouriço.
E servir.
Recomendo, como aperitivo de abertura, enquanto avaliam da bondade da escolha do vinho para a refeição, que façam umas pequenas tostas de pão de trigo, nas quais colocarão, numas o tutano dos ossos do chambão ( aspergido de pimenta preta ) e, noutras, finas fatias do toucinho já cozido, este com umas pedrinhas de flôr de sal.
Recomendo, para finalizar, uma chávena do caldo de cozer as carnes com um raminho de hortelã.
O MEU COZIDO, NA VERSÃO CONVENTUAL
Obviamente, não professei num convento para chegar a este desiderato. Adaptei este procedimento de um cozido que, desde há muitos anos, se serve ( será que ainda se serve ? ) no restaurante Conventual, na Praça das Flôres, em Lisboa.
Quando os comensais são menos, diria até seis pessoas, compram-se pães médios de trigo, redondos, aos quais se corta a tampa e se retira o miolo.
Leva-se ao forno para, levemente, deixar encrostar o pão.
Servir um pão por pessoa recheado com os ingredientes do cozido, aqui mais reduzidos ao que considerar mais adequado.
Á parte, acompanhe com almoçadeiras cheias do caldo de cozer as carnes com hortelã.
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