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Sala de Jantar

As minhas receitas, as receitas de outros e umas deambulações pela gastronomia. Sabores com memória, sabores para partilhar.

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As minhas receitas, as receitas de outros e umas deambulações pela gastronomia. Sabores com memória, sabores para partilhar.

Coelho Frito da D.Cândida da Peninha

Maurício Barra, 01.06.13

  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Luís Pontes, a cujo blog Outra Comidas sou devotado, escreveu  sobre um coelho, mais apropriadamnete o Coelho da D. Cândida, que, com o marido, durante muitos anos foram os “caseiros” da Peninha, hoje em mãos universitárias coimbrãs. Sendo assunto “ à porta da minha casa “, peço indulgência ao autor para aqui reproduzir a sua descrição da receita, como forma de a preservar para futura memória destas aldeias ocidentais do Monte da Lua.

 

COELHO FRITO da D.CÂNDIDA DA PENINHA

 

« Por muitos anos foi visita assídua, quase uma peregrinação que se cumpria com alegria e gula, ao último morro da Serra de Sintra antes desta mergulhar no mar, no Cabo da Roca, a Peninha, com a sua capela algo sinistra cheia de ex-votos de cera amarelada pelo passar dos anos e o palácio do Monteiro, o mesmo da Regaleira, que ficou inacabado no início do sec. XX e que acabou vagamente administrado por uma fundação coimbrã, que, diga-se, não parecia ter grande vocação para administração de património.

Estas visitas não eram, no entanto, motivadas por qualquer devoção à Senhora do local ou ao palacete romântico arruinado, mas sim pelo queijo e pela amizade que o tempo e circunstâncias peculiares cimentaram com D. Cândida e o seu marido Silvino, guardas do palacete e residentes nuns casebres no sopé do enorme penhasco de granito encimado pelo palácio, seria talvez mais próprio chamar-lhes eremitas, tal era a dureza da vida que ali se levava, só eles, o vento, o nevoeiro, os cães e o rebanho de cabras, como se o tempo tivesse sido ali misteriosamente suspenso uns séculos antes.

A D. Cândida fazia os melhores queijos que alguma vez comi e, desses tempos bons, dessas conversas, dessa amizade, dessas vidas suspensas, ficaram um sem fim de recordações e histórias, umas contadas, outras vividas, às vezes à volta de um petisco que ali se armava, uns queijos, vinho, uns torresmos, o bom pão da Azóia e, por vezes, um mítico coelho frito, caçado ali na serra pelo Silvino e transformado num sabor único que eu tento emular agora, mais de vinte anos passados sobre a partida do casal, finalmente vencidos pelos anos, pela doença e pela solidão.

Os mitos são cruéis e invencíveis e claro que eu nunca consegui igualar o coelho frito da D. Cândida. Tento fazê-lo agora como ela fazia, e apesar de ficar sempre algo abaixo da recordação, é um prato, ou um petisco muito, mas mesmo muito bom.

 

Ingredientes:

Coelho

Banha

Alhos (uma cabeça)

Louro

Sal e pimenta

Vinho branco

Coentros ou salsa

 

Preparação:

Parta o coelho em pedaços não muito pequenos, salpique apenas com sal e deixe tomar sabor por uma ou duas horas, após o que o frita na banha com lume enérgico, sem qualquer tempero, até que se apresente bem tostado por todos os lados. Junte então os alhos esmagados, louro e pimenta, frite um pouco e molhe com um gole de vinho branco.

A partir de agora, o coelho frito vai decorrendo neste ciclo: um pouco de vinho para desglaçar os caramelos que se formam quando os aquosos se esgotam, mais vinho de novo quando preciso, pouco de cada vez para que o sabor se acentue sempre.

Cerca de quarenta minutos depois (uma hora se for coelho bravo), junte uma última vez o vinho e desta vez, também um punhado de coentros ou salsa, picados. Pessoalmente, gosto mais dos coentros, se bem que D. Cândida usasse quase sempre salsa, que os coentros eram uma raridade na serra, naqueles anos.

Dê mais uma volta rápida e está pronto para ser servido como refeição.

Ou deixe arrefecer e coma frio, como petisco, nos dias seguintes.»

(*) texto, receita e fotografias de Luís Pontes in Outras Comidas