O Meu Cozido
Não tenho a pretensão de receitoar-vos com este meu procedimento culinário. Seria o mesmo que estar a ensinar o padre nosso ao vigário.
Mas, cada família tem a sua receita. A minha vem da minha avó, senhora nascida no século XIX. É, como todos os cozidos, muito simples de cozinhar, estando a sua principa distinção na escolha dos produtos e nos procedimentos a adoptar antes e durante a cozedura.
Efectivamente, este cozido começa dias antes de ser consumido. Mais apropriadamente, pelo menos dois dias antes. Com um procedimento que fará toda a diferença no sabor das carnes : salpresar à antiga. È muito simples : depois de ter escolhido as carnes, envolva-as em sal grosso e deixe-as a estagiar no frigorífico. No dia seguinte, escoe a aguadilha que se formou e adicione mais sal grosso, se necessário. Até ao dia anterior a serem cozidas. Que podem ir até aos quatro dias.
Ingredientes:
chambão, cortado transversalmente com o osso ( osso buco )
aba com osso
joelho de porco ( eisbein ) ou entrecosto de porco alto ou costeleta de porco fumada
orelha de porco
galinha, da quinta ou das Caldas da Raínha
batata Laura ( enfatizo a qualidade e estirpe da batata como factor fundamental neste prato, como em quase todos os outros. As batatas têm diferentes sabores e diferentes texturas, maior ou menor matéria sêca, e podem ser, se mal escolhidas, a destruição da harmonia de sabores de uma refeição. Imaginam um bom bacalhau com uma má batata ?. O mesmo se passa com o cozido. As melhores batatas para cozer são a Laura, a Anabel e a Mona Lisa, sendo estas duas últimas também boas para assar. Para fritar as recomendadas são a Agria e a Asterix, tal como recentemente fui elucidado por Paulo Salazar Leite no Montijo, onde dirige a Cooperativa PrimoHorta ).
couve portuguesa
couve lombarda
cenoura, nabo
cebola, alho, louro, salsa, piripiri sèco
hortelã
arroz carolino
toucinho alto de pôrco preto
chouriço de carne da Redinha ( lá chamam choiriças )
farinheira do Sicó
morcela de arroz dos Marinhais ( a de Caldas da Raínha tambèm é muito boa )
chouriço de sangue com vinagre
chouriço de vinho de Carregal do Sal, e/ou chouriço mouro do Alentejo ( moiras ), e/ou negritos, e/ou chouriço de cebola.
Em panela grande, cozer lentamente as carnes de vaca e a galinha em água temperada com alho, cebola, salsa e louro, à qual se junta sal grosso e pirpiri sêco. Meia hora antes de estar finalizada a cozedura, juntar as cenouras e os nabos ( antes a minha avó, a agora a minha mãe, ainda diz que bom cozido tem de levar sete ervas ou vegetais no caldo das carnes, e eu não estou aqui para as desdizer, mas só ponho seis, não juntando o aipo que então usavam porque o nabo cumpre bem a função de cortar o eventual sabor excessivo de gordura.).
Em panela separada cozer as carnes de porco, joelho e orelha, em água a que adicionou sal grosso, louro e uma cebola cravejada de . . . cravinhos.
As batatas, de estirpe apropriada para o cozido, são cozidas à parte, sempre com a pele, para manterem o gosto e o amido que faz distinguir o seu sabor. Enquanto depela as batatas, coza em água só com sal grosso e piripiri sêco as couves e o toucinho ( muito importante, o toucinho é com as couves, não se esqueça ), às quais juntará as batatas já sem pele, depois de ter desligado o lume.
Os chouriços são também cozidos à parte, deixando para o fim as farinheiras e os chouriços de sangue com vinagre, com os devidos cuidados para não deixar que se desfaçam. Nesta água de cozer os chouriços, será cozido o arroz, ao qual se juntará, desfeitos, um chouriço de sangue com vinagre e meia farinheira.
Com este procedimento, as carnes sabem a carnes, os legumes mantêm o seu sabôr enriquecidos com a untuosidade do toucinho, e os chouriços, assim como o arroz, cumprem a sua função, não ficando todo o cozido a saber a chouriço.
E servir.
Recomendo, como aperitivo de abertura, enquanto avaliam da bondade da escolha do vinho para a refeição, que façam umas pequenas tostas de pão de trigo, nas quais colocarão, numas o tutano dos ossos do chambão ( aspergido de pimenta preta ) e, noutras, finas fatias do toucinho já cozido, este com umas pedrinhas de flôr de sal.
Recomendo, para finalizar, uma chávena do caldo de cozer as carnes com um raminho de hortelã.
O MEU COZIDO, NA VERSÃO CONVENTUAL
Obviamente, não professei num convento para chegar a este desiderato. Adaptei este procedimento de um cozido que, desde há muitos anos, se serve ( será que ainda se serve ? ) no restaurante Conventual, na Praça das Flôres, em Lisboa.
Quando os comensais são menos, diria até seis pessoas, compram-se pães médios de trigo, redondos, aos quais se corta a tampa e se retira o miolo.
Leva-se ao forno para, levemente, deixar encrostar o pão.
Servir um pão por pessoa recheado com os ingredientes do cozido, aqui mais reduzidos ao que considerar mais adequado.
Á parte, acompanhe com almoçadeiras cheias do caldo de cozer as carnes com hortelã.